segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Da infância à sabedoria

         
É com saudosismo e emoção que recordo o meu passado, na verdade nada passou, pois aqui na minha memória tudo está vivo e nítido. Quando fecho os meus olhos, transporto-me para aquele tempo e revivo cada momento. O filósofo Santo Agostinho tinha toda razão quando disse que só existe um tempo: o tempo presente. Uma grande verdade, porque o que somos hoje é fruto das nossas escolhas e das nossas lutas do passado. E o futuro, apenas consequência do presente. 

Minha vida não foi nada fácil, precisei travar muitas batalhas para vencer os vilões que surgiam em meu caminho. Hoje, posso contar minha história tendo a certeza de que sou uma vencedora. Não consigo prender as lágrimas que brotam nos meus olhos quando começo a falar. Então vamos lá, vou respirar fundo... e contar-lhe tudo!

Nasci em uma chácara situada no município de Carolina, no Estado do Maranhão. Fui criada com muita simplicidade, mas rodeada de muito afeto. Logo cedo da manhã, mamãe preparava a mesa com uma variedade de coisas gostosas, tudo produzido ali mesmo, nada era comprado em supermercado. Cuscuz, manteiga caseira, bolo de macaxeira, banana empanada... até leite de cabra! Éramos ricos e não sabíamos! Quem hoje em dia consegue criar os filhos, alimentando-os com leite de cabra?

O almoço, também, era uma fartura. Lembro-me de que mamãe e vovó fritavam e guardavam a carne de porco em latas de alumínio, assim ficava conservada por muitos dias para o nosso consumo. Arroz e paçoca eram pisados no pilão. Tudo era preparado com muito trabalho, mas sentíamos o sabor do amor em cada alimento. Para papai, a hora do jantar era a mais importante. Ele fazia questão de todos os filhos sentados à mesa, comíamos e conversávamos sobre os afazeres e as malinesas do dia.

Papai era muito carinhoso e dedicado à família, costumava levantar no meio da noite para nos colocar o cobertor. Antes de dormir, íamos todos para o quintal da frente da casa, juntava um monte de gente, adultos e crianças da vizinhança. Roda de bate papo e brincadeiras sob a luz da lua e das estrelas. A brincadeira de passar o “anelzinho” era a nossa preferida, mas o que eu gostava mesmo era da minha boneca de pano, feita pela vovó. Ah! Dela eu não me desgrudava. Tenho saudades daqueles momentos! as famílias atuais já não têm mais tempo para essa comunhão, vivem numa correria e estresse. Nem eu mesma tive o privilégio de criar minhas filhas como fui criada.

Naquele tempo, o acesso à escola era precário e não havia uma cultura de incentivo aos estudos, principalmente para as mulheres, as quais eram criadas para realizar tarefas domésticas, para casar e ter filhos. Comigo não foi diferente, aprendi a ler em casa, quando já era quase adolescente, mas eu não estava satisfeita em ser apenas alfabetizada, eu queria estudar mais e tinha muitos sonhos. Então, aos doze anos de idade decidi ir para a cidade trabalhar em casa de família e estudar. Não vivi a fase da adolescência, quando percebi, eu já tinha obrigações de gente grande.
 
Casei-me muito jovem, fomos morar em outra cidade, tive duas filhas e pouco tempo depois fiquei viúva, com apenas vinte e três anos. Como é doloroso falar sobre essa época, sofri muito e precisei ser forte. Entretanto, foi nesse período que mais recebi ajuda e carinho da família, tanto dos parentes de sangue, quanto dos parentes do meu marido. Ele me fez muita falta, mas Deus a cada dia suavizava a minha amargura.
 
Depois desse episódio trágico, vim morar em Tocantinópolis. Tenho muito apreço por essa cidade, aqui conquistei o meu espaço social, voltei a trabalhar, fui presenteada com outra filha e fiz faculdade de Pedagogia; não cursei Administração de empresas como pretendia. Enfim, sobrevivi às lutas e eduquei sozinha três meninas lindas. Por benevolência divina, acabei comprando uma escola que pertencia a uma associação e, apesar dos percalços, consegui reerguê-la; realizei o sonho de ser administradora, sem que me desse conta disso. A bíblia diz que “Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”, eu sempre confiei nessa palavra e fui temente a Ele.

 A minha empresa fabrica conhecimento e amplia os horizontes de crianças e adolescentes que passam por nossas mãos. Somos mais de trinta famílias unidas, para cuidar dos filhos de outras famílias. A minha filha do meio é a minha sócia na missão tão nobre de “Educar para o futuro”.


 Minha maior alegria, hoje, é ver minhas filhas felizes e realizadas e poder olhar para trás na certeza de ter sido essencial acreditar na educação. Como Monteiro Lobato escreveu, “um país se constrói com homens e livros”, por isso eu nunca desisti. Às nossas crianças e aos nossos adolescentes, deixo alguns conselhos: que tenham Deus em primeiro lugar, em segundo a família e em terceiro o estudo; que preservem o bom caráter; que diminuam o uso do celular; que aproveitem mais a presença da família e dos amigos; e que fortaleçam os laços afetivos. Assim, encontrarão a chave da felicidade.

Carrego comigo uma sabedoria adquirida das experiências vividas ao longo dos meus sessenta e três de existência. A menininha sonhadora agora é uma avó, educadora, aposentada e feliz!  

(Memórias literárias baseadas na entrevista com dona Edilena, de 63 anos)



Rute Santos

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