Era noite. Elisa estava sentada à mesa estudando, seus pais já haviam dormido
e as filhas dela ainda assistiam tv. Era fim de ano e, como de costume, elas
estavam passando as férias na casa do casal. O relógio já se aproximava da
meia noite, quando Paulinho bateu na janela, chamando por ela:
___ Elisa, por favor, abra aqui!
___ Oi mano, o que aconteceu?
___ Não aconteceu nada, só estou com fome. Frita aí um ovo para mim.
___ Ovo frito uma hora dessas?! É mais saudável você comer um lanche.Que
tal um pedaço de bolo e um leite morno com chocolate?
___ Depois de hesitar
alguns minutos ele respondeu:
___Tá bom, tá bom...traga, traga e não demore.
O jovem Paulo, carinhosamente apelidado de Paulinho, sofria de esquizofrenia
e a sua expressão não estava muito agradável naquela noite, por isso Elisa não
abrira a porta, apenas a janela de vidro, já que era protegida por uma grade. O
rapaz de cinquenta anos era o terceiro na ordem de nove irmãos. Acometido pela
doença desde os quinze anos de idade, era fácil seus familiares interpretarem
até o seu olhar, o qual revelava que o comportamento estava alterado. A
esquizofrenia oscila a personalidade, dividindo-a em várias fases e aquela
família conhecia muito bem todas elas.
Em poucos minutos, Elisa preparou o achocolatado e o serviu com o pedaço de
bolo pela grade da janela. Ele comeu tudo rapidamente, como sempre fazia com
qualquer refeição, devolveu o copo e despediu-se de forma ríspida:
___ Pega, eu já vou...
___Quer um copo d’água?
___ Não! Não! No meu quarto tem água. Tchau!
Paulinho estava hostil para prolongar conversas e com um ar de cansaço e de
dor, que preocupou Elisa. Depois de fechar a janela, ela pediu que as meninas
desligassem a tv e fossem deitar-se; apagou as luzes da casa, deixando acesa
apenas a que clareava a sala de jantar, em cuja mesa estava o seu notebook de
estudos; sentou-se novamente à mesa e retornou à leitura, com o pensamento
divagando em alguns momentos no irmão.
Na manhã seguinte, a mãe de Elisa comunicou que Paulinho não aparecera para
tomar café e que não estava no quarto. Elisa explicou o ocorrido na noite e
ambas deduziram que ele saíra bem cedo. Era véspera de ano novo, elas
ocuparam-se o dia inteiro com os preparativos para a festa de réveillon que iriam
na casa de um parente. Todavia, sempre estranhando e comentando o fato dele
não aparecer para almoçar.
No dia seguinte ele também não aparecera, a partir dessa notícia a família,
parentes e amigos começaram a procurá-lo. Foram dias de buscas e angústias;
até seu corpo ser encontrado entre os arbustos numa fazenda, no dia oito de
janeiro. Elisa foi a única da família que o vira por último, antes da inesperada
partida, e lamentou-se, profundamente, ao lembrar-se de que não havia
realizado o seu último desejo: comer um ovo frito. A vida é cheia de inesperados
que trazem amarguras e Elisa compreendeu a importância de atender a
pequenos pedidos, tão ao seu alcance.
Rute Santos
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